Os apóstolos de Garoto: Valzinho

O VIOLÃO NO RIO 7

Os Apóstolos do Garoto – Valzinho

Araújo de Gusmão

Um verdadeiro craque. Ele era o “fino”. A excelência musical de todos os tempos exclama com reverências, esta alcunha original…Valzinho…Sempre me causou impressão agradável e fantástica, este diminutivo íntimo oriundo de Norival. Seu nome completo de batismo: Norival Carlos Teixeira. Um violonista e compositor que estava muito além do seu tempo. Como um “ET” que veio aqui nos visitar por um período.

Nasceu em 1914 e morreu em 1980 no Rio de Janeiro. Ele é “do time que não foi para os Estados Unidos”. Mas se tivesse embarcado, seguramente marcaria presença como alguns de seus colegas.

Radamés falava muito bem dele.

Começou sua carreira em 1933, fazendo “centro” no cavaquinho para o flautista Dante Santoro. Os acompanhadores aos violões eram o Luís Bittencourt e o Pereira Filho. No ano seguinte Valzinho já entrava, como violonista, para o conjunto do Pixinguinha.

De 1936 até 1938, fez parte do quadro da Rádio Mayrink Veiga, atuando no regional do bandolinista Luperce Miranda. Compuseram juntos “Não sei porque”.

Mas sua época de esplendor foi mesmo na Rádio Nacional, onde trabalhou durante 30 anos. O líder do grupo já era o Dante Santoro, porém com Valzinho sempre presente nas diversas formações, por onde passaram os violonistas Carlos Lentini, Norival Guimarães e Rubens Bergman. Ali era um reduto de grandes músicos brasileiros. Um verdadeiro “ninho de cobras”. Lá estavam os mais habilidosos violonistas do país, integrantes dos inúmeros regionais, conjuntos e orquestras da emissora. Conforme a necessidade de um trabalho, um arregimentador escolhia: “vem você…, você…, chama o fulano…”, mas em situações especiais e mais sofisticadas,
apelava para a “tropa de choque” formada pelo Garoto, Bola Sete, Zé Menezes, Rogério Guimarães,…e Valzinho.

Ele também tomou parte no “Bossa Clube”, grupo em que pontificava o Augusto Sardinha, e de quem ele era um fiel seguidor messiânico. No estilo e nas idéias. A avassaladora influência da cultura americana no período da segunda guerra, combinada ao impressionismo francês de Debussy e Ravel, passou primeiro por Gnattali, e logo atingiu Garoto e Valzinho…que foi o “Johnny Alf” do Johnny Alf da bossa nova. Após a manifestação de epifania, os descontentes inovadores já possuídos por um inconformismo com o formato musical dos “dós de peito” acompanhados por regional, disseminaram um novo modelo, primeiramente através de uma parceria em “Teu Olhar”. Logo depois deles, houve o parto e nasceu a bossa nova. Estes dois são típicos pré-bossanovistas, com suas harmonias e melodias perfazendo dissonâncias estranhas, mas extremamente interessantes. Tomando como ilustração uma referência contemporânea, os temas de Valzinho parecem os compostos pelo Guinga. Realmente não teria lógica ele fazer sucesso naquelas décadas de 30, 40, 50 e 60.

Ele estava muito na frente, só conseguindo comunicação com músicos “começados”, termo que São Pixinguinha usava.

Com Luís Bittencourt, outro integrante do “Bossa Clube”, Valzinho fez “Tempo de Criança”.

Paulinho da Viola canta e toca dois maravilhosos sambas do genial compositor. O mais famoso é “Doce veneno”, uma parceria de Valzinho com Carlos Lentini (o lendário violonista) e Espiridião Machado Goulart (letra). Outra, também notória, é “Óculos escuros”, parceria com Orestes Barbosa, seu mais constante parceiro, grande personagem da vida artística e cultural do Rio de Janeiro, e que era o “Vinícius de Moraes” daqueles tempos.

O seu irmão mais novo, o Newton Teixeira, foi um grande compositor de sucessos perenes da MPB antiga. Abastecia com canções de sucesso, os repertórios dos cantores Francisco Alves, Orlando Silva e Sílvio Caldas. Vezes há em que se referem ao Valzinho como o irmão do Newton Teixeira. Mas para o “pessoal do meio”, o Newton é que era o irmão do Valzinho.

Um antropólogo musical, ao fazer um levantamento, uma pesquisa, pode vir a se deparar com uma raridade deslumbrante. Um disco vinil, LP, sigla se referindo ao antigo Long Play, em que a afinada cantora Zezé Gonzaga vem acompanhada por Radamés Gnattali e seu quinteto, e interpretando somente músicas de Valzinho com seus diversos parceiros. Este trabalho é de 1979 e Valzinho teve uma participação especial na faixa “Viver sem ninguém”. Veio a falecer meses depois de encerradas as gravações.

Eu sempre que encontro o “Caçula”, outro genial e folclórico violonista e cavaquinista remanescente daquela época, vou logo cumprimentando e pedindo: ”Me conta alguma coisa dos tempos da Rádio Nacional! Mostra uma harmonia do Valzinho!”. E ele pacientemente atende ao meu pedido. Obrigado Mestre Caçula! Obrigado Mestre Valzinho!

BOLETIM
AV.RIO ASSOCIAÇÃO DE VIOLÃO DO RIO
Fundada em 20 de Janeiro de 2001
Inscr. CNPJ: 04.517.089/0001-19
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www.av-rio.org.br boletim@av-rio.org.br
CONSELHO EDITORIAL:
Alberto Mejia, Carlos Augusto Góes, José Miranda Pereira, Luciana Requião e Nicolas de Souza Barros
Contribuições.: Araujo de Gusmão, Alberto Mejia

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